sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Mais uma do Ronda do Quarteirão Fortaleza - Ce



Fortaleza, 11 de agosto de 2010.

A escolinha de fotografia Olhar, Ser, Ver Luz da ONG Serviluz Sem Fronteiras, concebida e gerida por jovens da comunidade do Serviluz, com consultoria da Universidade Federal do Ceará, realiza trabalho de educação social e inclusão visual há mais de dois anos em um dos bairros populares mais excluídos da cidade de Fortaleza. Estigmas de violência e de criminalidade incidem sobre a população local, afetando, principalmente, crianças, adolescentes e jovens, que são vítimas de uma das formas mais incisivas de preconceito que é o preconceito por lugar de moradia.

O Serviluz possui o pior IDH-Municipal da Regional II e é, por conseqüência, um território de alta vulnerabilidade civil e socioeconômica, onde ocorrem graves atentados contra os direitos humanos de sua população. Homicídios de adolescentes e jovens são freqüentes e corriqueiros. Práticas de extermínio alimentadas pelo circuito do tráfico de drogas e de armas, além das profundas desigualdades sociais vivenciadas pelos moradores do bairro, impactam negativamente o exercício da cidadania, criando na vida social do bairro um sentimento coletivo de abandono, esquecimento e desrespeito. Isso gera um intenso processo de resistência contra a negação sistemática dos direitos e das garantias constitucionais de sua população. É forte a indignação cidadã, por parte de seus moradores, com a insuficiência sistemática de investimentos sociais por meio de políticas públicas, constatação formulada pelo Fórum Popular do Serviluz e suas redes de projetos sociais que atuam, sob condições adversas, para promover práticas de cidadania e de desenvolvimento integral para crianças, adolescentes e jovens “invisíveis” ou tornados invisíveis pela falta de atenção e investimento público. O Serviluz, com mais de 30 mil habitantes, não possui sequer uma escola de ensino médio, reivindicação diversas vezes reiterada pelos movimentos populares do bairro e jamais atendida pelo atual governo.

Hoje, aproximadamente, às 13 horas, o professor de fotografia e os alunos de fotografia do Serviluz Sem Fronteiras foram vítimas de mais uma ação de violência e truculência policial. Enquanto os alunos tinham aula no alto das escadarias do Farol do Mucuripe, patrimônio histórico abandonado pelo poder público, a viatura do Programa Ronda do Quarteirão - de número 1027, placas HTR 0264, acompanhada de outras viaturas -, realizou uma abordagem de modo absurdamente ilegal e violento ao grupo de quatro pré-adolescentes e um professor adulto da comunidade que rotineiramente usam o Farol como sala de aula a céu aberto para os exercícios práticos de fotografia artesanal e digital.

Relato os fatos a partir dos testemunhos das vítimas e de testemunhas oculares do evento.

O policial militar desceu da viatura, sacou da pistola, fez acrobacias com a pistola, girando-a com um dos dedos, como nos filmes de faroeste, tirou o pente e municiou a arma. Apontou a arma para o grupo e acionou o dispositivo de disparo, sem que houvesse bala na agulha, portanto, numa atitude intencional de provocar e de assustar e amedrontar. Quatro policiais do Programa Ronda subiram as escadas depois disso e fizeram uma revista corporal ao grupo. Um dos policiais engatilhou a pistola e a manteve, de acordo com o relato do professor responsável pelo grupo, apontada para o rosto do professor de fotografia com o dedo no gatilho, o policial parecia visivelmente nervoso, pois sua mão tremia, enquanto os outros policiais revistavam mochilas e o corpo dos alunos de fotografia. Um dos alunos deixou a câmera fotográfica cair no chão, danificando-a, por estar apavorado. Depois que o professor conseguiu explicar, ainda sob a mira da pistola engatilhada contra sua cabeça, que eles faziam parte de um projeto social da comunidade, os policiais então começaram a se retirar, e nervosos, em tom ameaçador, eles ordenaram que o grupo se dispersasse e se retirasse da área. O grupo ainda conseguiu permanecer para fazer fotografias das viaturas envolvidas e anotar placas e ainda perceber que os policiais mudaram de viatura com outros para confundirem-se entre si, e não serem identificados pelos presentes, envolvendo para isso a viatura de número 1026, da mesma composição. Não pareciam ser as viaturas da área, pareciam estar em alguma espécie de treinamento na “favela”, pois o policial com atitude de faroeste agia como um instrutor durante a abordagem.

Pelos relatos das vítimas, pode-se depreender que a atitude da polícia era de intimidar, imprimir medo e ameaçar os jovens nessa abordagem. A atitude era abertamente autoritária. Neste sentido, gostaríamos de encaminhar o relato deste caso para conhecimento público, acreditando sempre que a democratização da sociedade depende de uma política pública de segurança cidadã, que respeite os direitos humanos e represente o Estado de Direito Democrático.

Prof. Dr. Leonardo Damasceno de Sá

Professor adjunto do departamento de ciências sociais da Universidade Federal do Ceará e pesquisador responsável pelo processo formativo do projeto Serviluz Sem Fronteiras.

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